sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Ver um Feliz Ano Novo

Agradeço por todas as bênçãos do ano que passou,
as de que me lembro e, as incontáveis, que recebo todos os dias sem me dar conta.
Se o que penso, atraio para mim,
para o Ano Novo quero pensar coisas boas.
Vou ver, na Terra, as pessoas de todas as partes vivendo em Paz,
alimentadas e abrigadas.
Vou ver os governantes assinando tratados de entendimento e
de respeito entre os povos.
Vou ver as crianças do mundo todo sendo criadas com amor
e educadas com sabedoria.
Vou ver os velhos sendo ouvidos e cuidados.
Os jovens com oportunidades de trabalho e desenvolvimento.
Vou ver um mundo onde reina a justiça e a equanimidade.
A natureza é respeitada, as plantas bem nutridas,
as águas correm puras, o ar é limpo e refresca.
Um mundo onde os animais
são tratados com bondade e respeito,
A alegria e o riso prevalecem,
cada um expressa o que há de melhor em sua humanidade.
Um mundo consciente de que a beleza vem de nossas diferenças
e que estas diferenças constituem nossa maior riqueza.
Vou ver nosso país ultrapassando as fronteiras da miséria
física e espiritual.
Uma nação mais responsável e consciente.
Que minha consciência ampliada me leve a atitudes responsáveis
e genuinamente amorosas.
Que eu me mantenha em atitude de gratidão, coragem e humildade.
Estamos todos no mesmo barco e, muitas vezes, a travessia é penosa.
Que eu realize a minha parte para que a Luz se espalhe.
Que o mundo todo evolua e se eleve.
Que o Amor da Divina Criança continue a nos unir e iluminar no ano que entra.
Que assim seja e assim será.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A Espera (versão 2)


Rua Buriti, 93, Vila Natal, zona sul, São Paulo. Primeiro pega o trem na Lapa e depois o ônibus. Do ponto até a casa não é longe.
O dia amanheceu frio. Tudo às avessas nestes tempos. Ao subir o último dos 12 degraus, apoiando-se na bengala, o suor escorre-lhe da testa. Bate palmas enquanto olha a rua lá embaixo e imagina a cor que a sobrinha escolherá para pintar a casa nova quando, enfim, tiver dinheiro.
Abrem a porta dois olhos pretos brilhantes no topo de um vestidinho azul salpicado de bolinhas brancas. O vestidinho a conduz, sem palavras, até a mesa baixa perto do sofá, coberta por um papel verde imitando grama. Sobre a grama, uma casinha feita de palitos de sorvete, José e Maria, de arame e na caixa de fósforos vazia, um lencinho de papel branco. A árvore ladeando o presépio foi feita com fundos de garrafas pet pintadas de verde e os enfeites, ela entendeu, são desenhos das crianças, colados nas tampinhas. Tudo preparado para a chegada do Salvador.
A miudinha abre os dois braços para apresentar o espetáculo e depois junta as mãozinhas.
O riso quer escapar mas se guarda; o rosto da tia Linda é solene, como merece a situação. 
A porta se fecha com uma rajada de vento e a chuva começa a cair. 

Feliz Natal
2011



A Espera

Rua Buriti, 93, bairro do Grajaú, zona sul, São Paulo. A casa tem laje, vai ter de subir 12 degraus. Primeiro pega o trem na Lapa e depois o ônibus tal. Do ponto até a casa não é longe.
O dia amanheceu frio, no dezembro tropical. Tudo às avessas nestes tempos. Ao subir o último dos 12 degraus, apoiando-se na bengala, o suor escorre-lhe da testa. Bate palmas enquanto olha a rua lá embaixo e imagina a cor que a sobrinha escolherá para pintar a casa nova quando enfim tiver dinheiro.
Abrem a porta dois olhos pretos brilhantes no topo de um vestidinho azul salpicado de bolinhas brancas. O vestidinho a conduz, sem palavras, até a mesinha baixa perto do sofá, coberta por um papel verde imitando grama. Sobre a grama, uma casinha feita de palitos de sorvete, José e Maria, de arame e na caixinha de fósforos vazia, um lencinho de papel branco. A árvore ladeando o presépio foi feita inteirinha com fundos de garrafas pet pintadas de verde e os enfeites, ela entendeu, são desenhos das crianças, colados nas tampinhas. Tudo preparado para a chegada do Salvador.
A miudinha abre os dois braços para apresentar o espetáculo e depois junta as mãozinhas:
-Tia Linda, olha! Jesus ainda não chegou mas tá quase. Por isto não tem ninguém no bercinho. Sabe, não é bercinho, é "mugidoura", que é onde eles punham palha pras vacas, cê sabia?
-Hã, hã....
O riso quer escapar mas se guarda, o rosto da tia Linda é solene, como merece a situação. A porta se fecha com uma rajada de vento e a chuva começa a cair. 
-Xii, vamo acendê as luzinhas...

Feliz Natal
2011


imagem da internet

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

De novo

Dentro do apartamento, metade dele, metade dela, o sol já não entra, nem a chuva. Há apenas um ranço úmido morando ali; empapa os objetos, os deixa sombrios. Vivem na bruma e já não discutem mais. Suas palavras não pertencem à mesma língua. Ela arruma meia-dúzia de roupas na mala, deixa um bilhete, apaga as luzes, fecha a porta atrás de si. Tempo, sal e mar para lavar as feridas. 

...

É fim de tarde e ele está só. Como sempre. Vai andar na praia, olhar as marcas de seus passos na areia. Engraçado como aquilo o assegura de que percorreu um caminho. Para vê-lo, tem de virar o corpo todo, evita a dor aguda no pescoço enrijecido. As pernas manquitolam. O boné, comprado há anos, na África, esconde a nuca e dá à testa um para-sol.  A pele branca e fina começa a enrugar como pétala de papoula. Um homem seco em dias vagarosos.  Como de hábito, entra no mar próximo às encostas que se erguem do chão. A água ali é mais tépida.

A mulher nada em braçadas lentas, vai e vem, faz do mar sua piscina. Ele pára; seus olhos seguem a nadadora como quem segue uma partida de tênis projetada em câmara lenta. O tempo, que já é lento, estanca. Uma gaivota faz um vôo baixo e a mulher sai do mar. Deita-se ao sol, a cabeça sob o guarda-sol vermelho. Ele, então, mergulha e põe-se a desenferrujar as juntas. 

Dançam vários dias esta dança muda. Sexta-feira, quando sai do mar, como faísca o olhar da mulher enfia-se dentro dele. Seu corpo está vibrando quando se senta ao lado dela. Conversam até o amanhecer. 

O homem assiste o amor germinar no solo de seu peito como a terra seca permite brotar a hortelã. Vai tomando conta, abrindo espaços, empurrando os pedregulhos, encompridando os fios de suas raízes para o fundo, para dentro. 

Nela, o desejo frustrado vê-se num corpo agora habitado pelo calor forte do sol gritando a chegada do novo verão. 

O beijo chega, sem aviso, numa onda que surge imensa dentro do mar calmo. Logo a atravessam saboreando o sal. A paz os inunda, lubrifica o cinismo que rói seus ossos. Brindam ao sol no fim da tarde. Debaixo dos guarda-sóis, constroem, de novo, os mesmos castelos de areia de sua infância. 

 aquarela de Regina Gulla

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Estranhamentos

Vi o bebê manipulando o ipad, abrindo e fechando a mãozinha, correndo o dedo pra cima e pra baixo. Quando pega a revista que não responde às manipulações, ela se irrita. Muito engraçadinho. E revelador.

A dona da vídeo-locadora estava descrevendo a filha de 12 anos com as amigas. Elas se reúnem na casa dela, cada uma com sua mochila. Sentam à mesa, abrem a mochila e de lá retiram, cada uma, o seu laptop. Conectam-se e começam a conversar pelo msn...O cérebro deles deve funcionar diferente do nosso. 

Sabe aquela música, olhos nos olhos, quero ver o que você diz... Não vão entender nada... Quem é este v e l h o? - perguntam. Ri o Chico em desespero quando vê na internet os comentários sobre sua obra.

Elas vão à balada. Precisa beijar. Muitos ou muitas, não importa. No mínimo pegam sapinho. Por que?
Por que precisa beijar? E por que qualquer pessoa? Não era para ensinar a serem críticos?

E tem cada vez mais menina de 12 anos que já é mãe. Ou querem recuperar a infância que não tiveram, ou é o único papel que se vêem fazendo. Absoluta falta de perspectiva.

A mãe dá um tapa na bunda do filho de 4 anos, por conta de uma mal-criação. A criança pega o telefone e chama a polícia. Dali a 3 minutos, tem uma viatura na porta, a mãe fica pasma e chora. O que você faria?

A professora ensina que é preciso denunciar os abusos paternos para a polícia. Está certo, quem quer que as crianças sejam jogadas pela janela por madrastas doentes, quem quer que as crianças fiquem presas em porões, anos a fio, abusadas por pais enlouquecidos?  A criança aprende. O que a professora não ensina junto com isto? Por que as crianças só têm direitos?

Por que o povo só tem direitos? Direito a uma educação medíocre que não fala sobre deveres, sobre contrapartidas; direito aos "bolsa-família", que não vinculam a grana a nenhuma atitude concreta do cidadão em busca de sua autonomia. Tudo bem, os direitos que eram de alguns agora são de todos, sou mais do que a favor. Mas do jeito que está, o que afinal estamos ensinando às novas gerações? Que tipo de sociedade será esta?

Nas gerações antigas a coluna dos deveres era infindável, “criança não tem quereres, tem deveres”, eu escutava meu pai falar. E me revoltei na adolescência e junto comigo toda uma geração. Inventamos um outro jeito de ser. E olha o que a gente fez... Erramos a mão também?

Ou vai ver que temos de colocar tudo isto em perspectiva, numa dimensão temporal, entender como processo. Esta é uma fase que dará lugar algum dia àquela em que as pessoas terão seus direitos, cumprirão seus deveres e arcarão com a responsabilidade de suas escolhas. Bom, isto, se a educação melhorar, se cada um de nós responder por si. Nossa, dá um trabaaaalho! Sem dúvida não é tudo culpa deles, não.

Neste futuro almejado, a impunidade será coisa do passado, do tempo em que havia muitos buracos nas ruas das cidades, em que bastava chover pro trânsito emperrar e nem havia ipad, ipod, laptop, tablet, GPS, noção de sustentabilidade, telhado verde, responsabilidade social, ciclovias, reaproveitamento do lixo, controle da emissão de CO²,  e outras maravilhas com nomes esquisitos. Imagine! Como será que eles faziam?

Hoje me vi pensando quanta coisa vai se embora com a morte de alguém, quanta coisa aquela pessoa sabia que eu nunca vou ficar sabendo. Já pensou nisto? Lembro de, mocinha, sentar perto meu pai, que sempre foi velho pra mim, e ele querendo me mostrar coisas que eu não queria saber. 

É. Hoje o estilo foi diferente, cheio de julgamentos e queixas latentes. Não é o foco do meu blog mas foi o que veio. Tá bom, nada de rigidez, vez ou outra, vá lá.... Amanhã é outro dia.


imagens de onde? da internet, claro!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A hora certa


- Nela, não, nela o senhor não põe a mão! – berra Lavínia postando-se, braços abertos à frente da colega grávida de sete meses.

Soldados invadem o alojamento, abrem a porta a murros e pontapés, jogam ao chão os pertences das meninas, arrancam das paredes o conteúdo dos murais numa fúria insana como se, pessoalmente, tivessem sido ofendidos de morte por cada uma delas. Empurradas para fora do quarto, observam nos corredores os colegas com as mãos para cima, conduzidos em filas para interrogatórios intermináveis, cotucados por baionetas, enfiados em camburões que os levarão sabe deus para onde.

Trêmula, Percília dá um suspiro por sobre o ombro de Lavínia, surpresa por estar viva e incólume quando o último soldado fecha a porta do prédio atrás de si com as palavras:

- Desocupem a área, desapareçam! 

Foi o que fez. Imediatamente.

Catou o que tinha, socou na maleta, deu um rápido abraço na amiga, antes que as águas represadas da angústia e do pavor desandassem a rolar. O sentimento era de gratidão profunda por aquele gesto singelo que poderia ter significado a morte da companheira mas as palavras naquele momento não cabiam, eram palavras mudas que se acotovelavam em sua mente deixando no peito um aperto forte e a urgência de sair dali o quanto antes. Verificou que tinha dinheiro justo para pegar o ônibus para Curitiba. Comer, não comeria; mesmo porque o enjôo era a regra. Nem sabe como chegou à rodoviária; como um autômato percorreu o trajeto que fazia regularmente para ver o marido que trabalhava na capital paranaense. Buscou o telefone público para avisar que estava a caminho. Raul não entendeu bem, a ligação estava péssima, por precaução e intuição rumaria para o terminal rodoviário para esperar a chegada do ônibus que partia de São Paulo por volta do horário do telefonema.


No assento de número 19, Percília procurou posição. Desconfortável, a vasta barriga ocupava o banco todo, subia-lhe até o pescoço. O bebê que se mexera incansável por todo aquele longo dia, de repente sossegou, ajeitou-se para dormir. Para ela, o sono não veio. A estrada já era ruim naqueles dias, curvas fechadas, buracos, chuva forte. A cabeça rodava em solavancos, mãos acarinhando a barriga, os olhos cerrados. Uma hora lembrava da mãe e ansiava por tê-la próxima; num flash via Raul ao seu lado, preocupado e amoroso; em outro, vislumbrava Lavínia, para onde teria ido, nunca mais a veria, era certo. E Alberto e Ricardo, seus colegas de turma, engajados no movimento contra a ditadura que vira de soslaio sendo interrogados por três brutamontes armados? Imagens se sucediam no filme de sua insônia e no tranco do ônibus ao cair num buraco, suas coxas se enchem de água e começam as contrações. A primeira foi forte, ela não entendeu o que era, nem se deu conta de que estava molhada. Quando veio a segunda, entendeu: a bolsa estourou, vou dar à luz, o bebê vai nascer! Agora? No ônibus? Não, nem pensar.


 Olhou para os lados, dormiam seus companheiros de viagem, homens sérios a trabalho, nenhuma mulher por perto. Pela graça de Deus, a viagem seguiu por mais duas horas sem sustos, o nenê entendeu o comando da mãe e aguardou. Com o dia raiando, o veículo manobra e estaciona na estação de Curitiba. A primeira pessoa a colocar a cara para dentro do ônibus é Raul. 

O sorriso de alívio de Percília ao vê-lo faz dela a mulher mais linda do planeta e, para ela, condensada naqueles lábios, naquele olhar, no caminhar seguro em sua direção, Raul é a visão de todo o bem que existe na Terra.

- Pronto, tá chegando a hora, filho, agora você pode nascer.                                                       


        imagens da Internet