Na sala de reunião recém reformada da instituição onde trabalha, mal coberta pelo plástico, ficava à mostra a madeira nobre bem talhada, afundada em poeira, pó de cimento e tinta branca lixada.
Ana descobriu a mesa, reverente, como quem pede a benção ao pai. Abaixou-se para limpar-lhe os pés. Seus olhos vaguearam em súbitas visões do passado. Viu-se menina brincando de cabaninha debaixo desta mesma mesa, a grande toalha vermelha, a branca, de renda, ouviu o alvoroço dos grandes almoços de família, o tilintar da louça fina, dos talheres, as risadas, as vozes queridas, aspirou o perfume do bife acebolado dos dias comuns, sentiu o gosto da sopa de mandioquinha, emburrou-se em vãos muxoxos como quando, em pequena, era chamada a tirar o pó da sala de jantar. Doze cadeiras e a grande mesa que abria em duas asas. Cansava só de olhar. Em cada cadeira, sobrepostos, os anéis entalhados na madeira, subiam em colunas salomônicas do assento ao espaldar. Imenso como adentrar uma catedral.
Enxaguou um pano macio, espremeu-o bem para tirar o excesso de água e passou muitas vezes sobre o tampo machucado e esbranquiçado de tinta; esfregou óleo de peroba, deixou secar, lustrou, as lembranças iam e vinham acompanhando seu movimento, abraçando a sala. Enrolou o pano úmido formando um canudo, enfiou-o por cada uma das frestas das cadeiras, correndo de cima abaixo, incessante, vezes sem conta. Ao findar das horas, toda a fuligem removida deu lugar à cor castanho-avermelhada da imbuia, a cor que tinha seu lar.