O tempo em dois tempos
Tempo é o tecido da vida.
Antonio Cândido, aos 94.
Primeiro
movimento
Sobre
a terra Maria jogou as sementes. Uma terra de soluços, pedregulhos, torrões de
argila. As gotas de chuva e rega se enfiam no solo árido; chega o soro às plantas.
O tempo passa, as sementes se rasgam ao sol e desabrocham num verde clarinho de
folha recém nascida. Nascem as folhas neste berço, na terra seca. E no tempo
tomam forma, tomam força e se erguem. Pequenas catedrais.
O
alimento estaria garantido não fosse a chuva, o granizo, não fosse a neve nunca
esperada, não fosse o frio.
Maria
decidiu partir. Sem hóstia, sem alimento, a pressa, a pressa, a fuga.
Daria
tempo de calçar os sapatos?
Segundo
movimento
Cidade
grande.
Tempo
é o que ela perde nos engarrafamentos, nas filas. O tempo come sua sede de
estar com os outros, de ver brotar as sementes.
Nas águas do tempo, Maria é
hoje, bolha em ebulição.
Ah,
desfrutar a calma do tempo...
Houve
tempo em que havia calma, Maria.