minha mãe era uma paineira |
- Mãe, recita a Louca de Albano?
- Ah, de novo?
- É, eu já tô quase decorando, falta só o finalzinho...Vai, faz favor!
O som da máquina de costura dava o ritmo da poesia; o corpo da mãe balançava para frente e para trás. Os pés apoiados no estribo da máquina eram tudo o que a menina via do ângulo em que estava, sentada no tapete, brincando com suas bonecas e ouvindo, maravilhada, a trágica história. Repetia baixinho as palavras declamadas pela mãe.
" - Anda cá, meu filho, escuta, és amigo de tua mãe?
- Oh, minha mãe, que pergunta!
- Basta, meu filho, pois bem. Vai ver a velha Vicenza, o amor que seu filho lhe tem. Faz vinte anos que teu pai morreu a golpes deste ferro por meu mal e que devias vingá-lo, fiz uma jura fatal.
- Uma jura, mãe santíssima! Oh, minha mãe, que jurou?
- Jurei que com este ferro que ferrugem se tornou, tu, meu filho, matarias, este que a teu pai matou. Matas?
- Mato, aqui o juro.
- Matas? Seja quem for? Ainda que a vingança te roube ao peito um amor?
- Ainda assim.
- É Ricardo, o matador.
- Ricardo, pai de Maria? Oh, minha mãe, perdoai...
- Filho ingrato! Pela amante o pai esquece. Vai. Cumpre a jura ou sê maldito se tu não vingas teu pai.
Nesta noite, tinto em sangue, com os cabelos pelo ar, o assassino de Ricardo foi aos pés da mãe lançar, o ferro com que jurara o pai da morte vingar. Sorria a velha contente abraçando o vingador quando, súbito, aparece, de Albano a cândida flor:
- Paulo, meu Paulo, vingança! Perdi meu pai, não o vês por estas lágrimas sentidas que aqui derramo a teus pés?..."
Lalalalalalalalalalalala....
- Ah, mãe, como é que acaba? Você sempre pára neste pedaço...
- Não sei, já te disse, guria, não consigo me lembrar...Só sei que a Maria fica louca quando vê que o namorado tinha matado o pai dela.
- É por isto que chama A Louca de Albano, né?
- É.
- Já tinha entendido...mas eu queria tanto saber o final...
- Vá, vá brincar. Deixa eu acabar estes enxovaizinhos de uma vez, preciso entregar tudo amanhã pra Sinhazinha.
- Matas? Matas, seja quem for? Mato, aquiojuro! - repetia a menina encantada com o som das palavras, com a trama que formavam. Neste mesmo ritmo, seguia embalando as bonecas. Estas não entendiam nada dos caminhos da vingança; a menina tampouco. O mágico era tentar repetir junto com mãe, sem perder o ritmo, cada frase, cada palavra e, a cada dia, entender um pouquinho melhor o sentido da história.
imagens da internet - texto publicado no meu livro O Flamboyant, ed Schoba, 2010.
Que lindo Uxa. Forte e poético. Gostei muito.
ResponderExcluirCara Uxa,
ResponderExcluirBoa noite!
Obrigada pela sua página flamboyant.
Gostei de ler de novo.
É mesmo bem escrita, rápida, quase um flash.
Que graça a ilustração que você encontrou para o blog.
Brincalhona,com jeitinho de história de fada-madrinha.
Minha mãe cantava “Coração de Mãe” e eu me debulhava em lágrimas.
Achei que eu nunca perderia aquela tristeza imensa ao ouvir a música.
Uai! E não é que perdi?!
Grande abraço, até mais,
Cibele
ai que saudades que dá
ResponderExcluirViajei no tempo com seu texto, vi-me ansiando pelas músicas que minha mãe cantava, enquanto passava roupas. Tinha uma em especial que fazia chorar a mim e a meu irmão, não me lembro mais da letra, só me lembro que era sobre a tristeza de um passarinho mantido preso na gaiola!
ResponderExcluirMuito bom!
beijo