sábado, 31 de março de 2012

Abrir a caixa


Já eram seis da tarde do dia da missa de sétimo dia, quando enfim Marta achou tempo para entrar no consultório do pai. Há anos não fazia isto. Girou a chave na fechadura, abriu a porta, procurou o interruptor. Assim que o acionou, uma das luzes iluminou um porta-retratos num canto da estante. Nunca reparara, a luz caía exatamente sobre a foto que ela dera ao pai no dia da formatura. Encheu o peito num suspiro. Estava absolutamente só agora. 
Os olhos percorreram a estante devagar tateando objetos conhecidos, a foto do casamento, o cristal, manuais de medicina, o busto de Louis Pasteur, placas de prata. Havia ainda uma caixa de madeira marchetada que ela não conhecia. Alcançou-a e surpreendeu-se com o peso. Abriu. Vazia. 
Virou-a de lado, de cabeça para baixo, tornou a virar algumas vezes até que tocou um ganchinho e o fundo da caixa se abriu despejando ao chão um volumoso maço de cartões. Marta agachou-se para apanhá-los, movimentos atrapalhados. Juntava alguns para soltar outros, a operação levou um tempo interminável. Finalmente sentou-se à escrivaninha para lê-los.
Firenze, Paris, Berlim, Berlim, Natal, Natal, Natal, Natal, um após outro, sempre o mesmo final: Sua filha, Irina
Um aperto no peito, um gosto estranho na boca, um sentimento totalmente inexplorado tomou conta de seu corpo.



imagem da Internet 

4 comentários:

  1. Oi! Uxa,
    Boa madrugada!
    Irmãs que se desconhecem?
    Irina e Marta?
    Que encanto de história.
    E que caixa marchetada mais rica!
    Os homens e seus sempre mesmos mistérios.
    Como é incrível isso!
    Como é do dia-a-dia.
    E como pensamos que o dia-a-dia é só de uma.
    E a outra pensa que a uma é ela.
    E a terceira nem diz nada. Mas pensa.
    Quem serão os homens?
    Sempre dois? Três. Às vezes mais.
    E outras tantas vezes são a mulher ou o marido de um outro homem.
    E se matam se acaso se revelam. Pedro Nava me dói, hoje ainda. Morte tão tardiamente solitária!
    Ou não se matam.
    De qualquer forma se parecem tanto, tão enormemente às cartas do baralho.
    Serão as cartas de baralho os espelhos deles?
    Grande abraço, Uxa cada vez mais de escrita bem feita.
    Parabéns, até mais,
    Cibele

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  2. Enfim, Bert Hellinger está certo:-"Todos fazemos parte." Conscientes ou não, a História da Humanidade é uma só. O Planeta Terra é Um, o Sistema planetário é Um, o Universo é Um, a Via Láctea é Uma entre milhões de outras Galáxias.
    E onde está tudo isso mesmo???
    Adorei.
    Beijo
    Arlete

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