sábado, 30 de abril de 2011

Como se, alternativamente

A tarde chega como cão sem dono.
Alfredo segura Amélia pela mão até que ela alcance o andador. Aproveita para apertar-lhe os dedos com ternura e lança uma palavra de incentivo: 
-Vamos lá, minha flor!
Para eles o futuro é agora.
Como um novelo de lã o amor de Alfredo e Amélia foi se desenrolando ao longo dos anos e tecendo um grande cobertor.
Amélia levanta os olhos almejando passar através dele a gratidão que lhe toma  o peito. Perde o equilíbrio. Ações simultâneas já não lhe são mais possíveis. Como Nureyev ergue a primeira bailarina, Alfredo tenta levantar a mulher. Cai também, esburrachado, no chão. Ali ficam como se fossem tapete. Estendida no chão, o riso fraco de Amélia aciona a engrenagem escondida no peito de Alfredo. Lentamente os dois mergulham numa gargalhada. O riso os vai afogando como água de cachoeira. Riem a perder o fôlego. Sabem que serão pisoteados pelos cachorros, ou serão peixes? O que importa? A esperança é que os bichos latam a ponto de o vizinho estranhar a barulheira. Que chame o zelador.
Como salmão subindo a correnteza quem surge das águas é o neto. Ao ver a cena, junta seu riso à risada dos velhos e se atira, ele também, sobre os avós. Os três chegam às lágrimas e resignam-se a esperar sentados até que a filha, ao vir em busca do menino, os erga dali. Ela não tarda.
Ao ver os três amontoados no chão, um cheiro conhecido exalando no ar, sua voz soa dura como gelo, não vê graça alguma na cena. Ao contrário, vai-lhe subindo a raiva como fogo incendiando mato. Primeiro ergue o filho e o manda lavar-se no banheiro; depois ajuda Nureyev a se erguer, os olhos do pai cheios de lágrimas, na face uma boca marota. Finalmente, os dois se empenham em içar a mulher. Como pás de guindaste posicionam as mãos por baixo dos ombros de Amélia e levantam-na desajeitados. Em seguida caem os três no sofá. De novo, escuta-se o riso fraquinho de Amélia. Como corda em relógio antigo, logo aciona o riso do marido e num instante mais longo faz desandar a filha numa gargalhada incontida. Ri e chora, ri e chora.
- Que aventura, diz Amélia com sua voz fraquinha... Nos molhamos todos....
Do banheiro, o neto escuta a voz da avó e grita:
- Vamos de novo?

Alto Paraíso - por que não?




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