sexta-feira, 22 de abril de 2011

Deu tempo

O relógio digital marca a.m. 2:35. 

Os números que ficam à direita são muito apressados; os da esquerda andam devagar. Rosto apreensivo, os olhos, de vez em quando, se erguem, desviam-se das tintas para se certificarem de que estão dentro do tempo. Tornam a baixar, argutos e contemplativos, se é que me entendem. Assim como se tentassem descobrir que cores, que linhas se escondem nas nervuras do papel de arroz. 

Vem a mão caminhando com o pincel e, do nada, muda seu curso, revelando caminhos inesperados. E aparece um sol onde era a flor que iria ser plantada ou um rio de azul profundo onde o pincel pensara o céu.

E os números se apressam do lado direito do relógio testemunhas das idas e vindas de pincéis de várias espessuras que trabalham ora tranquilos, ora aflitos, ora rápidos, ora muito lentamente. Pingos de tinta saltam dos potes, marcam a mesa, mancham o chão. Por 3 vezes se elevam os números do lado esquerdo. Sobre a mesa, ao correr dos pincéis, o papel vai se apaziguando em cores delicadas. Os olhos param para desfrutar o momento de plenitude. Num suspiro de alívio, o ar sai quente dos pulmões.

As mãos acendem um cigarro, as costas procuram a parede, as pernas formam um V estiradas no cimento, a cabeça repousa, os olhos se fecham.

Raios de sol invadem o atelier no momento exato em que os pincéis se ajeitam no vidro cheio até a metade com água destilada, escorando-se uns nos outros para descansar. Logo a campainha vai tocar. Virão buscar a encomenda.

pastel e carvão Clara Barbosa



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