sexta-feira, 22 de abril de 2011

Ignorância

Empurrou com o tronco os ombros que trabalhavam frente ao computador:
- É um laptop?
- É.
- Deixa eu ver.
Os ombros se afastaram um pouco, a um só tempo receosos e indignados com a intrusão e a petulância daquelas pequenas mãos totalmente indiferentes à hierarquia. Mais que indiferença parecia ser total a ignorância do conceito.
Braços rudes atravessam a frente dos ombros laboriosos, mãozinhas ávidas examinam o aparelho, tocando indiscriminadamente as teclas, assim como uma criança de dois anos faria em seu primeiro contato com um piano.
Rapidamente os ombros põem fim àquela violência, retomando a posse do aparelho e da situação.  Acima dos ombros, olhos buscam olhos trocando faíscas.

Fim de semana, tudo vazio, silêncio. Até os cachorros dormem.
As mãos forçam um pouco a janela; não têm muito trabalho, logo os vidros deslizam cada um para um lado. Num impulso, os pés alcançam o beiral da janela, pousam sobre o banco forrado de azul deixando um rastro de terra. Chegam ao chão. O corpo se vira e o velho laptop é arrancado da mesa, ficam os cabos, fica a fonte. Atiram-no pela janela, sem cuidado. O aparelho cai na grama, fechado, intacto. Os pés se apóiam no banco, na parede, cruzam o beiral da janela num salto e estão de volta no jardim. As mãos rápidas agarram o computador e procuram um lugar para apoiá-lo. A lanterninha ilumina o degrau da escada que dá para o pomar; tentam levantar a tampa, sem atentar para as travas; a tampa hesita mas se ergue revelando a tela escura. As mãozinhas passeiam pelo teclado, apertam com vigor todas as teclas mas nada aparece na tela. Ouvem-se grunhidos. Impacientes, as mãos reviram o aparelho, procurando um meio de fazê-lo funcionar. Nada dá certo. 

O barulho da raiva incontida desperta os cachorros que começam a latir e farejar a área. As mãos largam o laptop ali mesmo, na escada, os pés galgam os degraus, ganham velocidade e desaparecem pelo mesmo buraco de muro por onde tinham entrado. 

  



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