Assim que deram uma brecha desapareceu para passar a roupa. Aproveitou para fazer uma comidinha para os dois. Teve pena. Enquanto descascava batatas e picava cebolas, olhou pela janela. O dia escurecia. Os raios rasgavam o céu, um ou outro trovão bombava. “Será que o temporal já passou ou está só começando?" Na mente a imagem do caos que fora sua vida. Três maridos, uma pá de desencantos. Agora vivia bem, mas no começo, muitas vezes, teve de fazer faxinas radicais. Doídas, até marcas deixaram. Cicatrizes. Não pode evitar a separação, cada um para um lado, culpando o outro. Amarrados. Mas esses moços são inteligentes. Se ela tinha aprendido com o Adeílson que o segredo do casamento era fazer limpezas regulares assim que percebiam entulho se formando, eles podem aprender também. Misturou os cogumelos com as vagens e salpicou tudo na manteiga e no azeite. Eles. A gente pode ensinar, mas aprender é com cada um.
Foi em busca de soyo e achou na geladeira uma quantidade industrial de embalagens. Abriu uma, direto na panela. Era kechup. Abriu outra. Era mostarda, meus deus, não estou enxergando nada, preciso trocar de óculos, como será que vai ficar o gosto disso? Só queria um pouco de soyo! Uma mulher não quer ter ao lado alguém menor que ela; a gente quer alguém que ande ombro a ombro com a gente, que assuma o que pode e o que não pode. Botou a frigideira para esquentar. Levei três maridos até achar um que pensasse como eu. O Valderez, deus me livre, que traste, ainda bem que se encantou com a Delfininha e me largou; azar o dela. O Wilson gostava de mandar mas era um frouxo. Fui uma idiota de me meter com ele. Agora, o Adeílson, este sim, sabe como conquistar uma mulher, sabe dividir, sabe somar.
Mas vai ver que é isto também que o seu Nelson quer, foi isso que ele me falou - continuou a refletir ao empanar o peixe na farinha de trigo – ele disse: eu não sou nem mais nem melhor do que ela. Tenho meus defeitos, tenho minhas fraquezas. O peixe foi colocado com cuidado na frigideira quente, o fogão é péssimo. E esta coisa de se atrasar, onde já se viu? A dona Regina tem razão, ela não pode contar com ele. Ah, eu não aguentava! Mas ele compensa, faz tudo por ela. Todo mundo tem defeito, dona Regina também não é fácil. É que eles não têm filhos. Com filho a gente é obrigada a aprender muita coisa. Lembrou dos mutilados que viu na TV. O cara tocava violão e a moça trocava as fraldas do bebê. Tudo com os pés. Credo! Também já estou exagerando, fazendo drama! O dia estava agora tão escuro que foi preciso acender mais luz. Os trovões, porém, tinham amainado.
Conversavam em voz baixa sentados no sofá, não se tocavam ainda. Trocavam olhares compridos. Da cozinha, Matilde viu e sorriu. Lembrou da dona Ritinha, a patroa antiga: o amor precisa de cuidado, de consideração. Eta velhinha sabida. Foi com a força dela que se separou do Valderez.
Tudo precisa de cuidado e consideração. Até ela. Tinha de voar dali. Marcara com o Adeílson no ponto do ônibus. Pôs a mesa, fez os pratos; avisou a patroinha que a roupa estava passada e que deixava cortados para ela, na bancada da pia, uns legumes para que fizesse uma sopa mais tarde. Já eram cinco da tarde. Foi embora.
Tudo precisa de cuidado e consideração. Até ela. Tinha de voar dali. Marcara com o Adeílson no ponto do ônibus. Pôs a mesa, fez os pratos; avisou a patroinha que a roupa estava passada e que deixava cortados para ela, na bancada da pia, uns legumes para que fizesse uma sopa mais tarde. Já eram cinco da tarde. Foi embora.
Nelson e Regina ficaram em casa secando as águas do tornado, removendo o próprio entulho; talvez encontrem um bilhete de amor que se molhou.
A foto é da Lu. Uma grande cronista visual de SP. Veja mais fotos dela em: http://www.flickr.com/photos/mlsirac/
... aparentemente sem importância? Depende de quem escreve e... de quem lê. Em mim, provocou tempestade e calmaria; respingos de uma identificação onde se mesclam sabedoria e também idiotice. Ou seria impotência?
ResponderExcluirUxa, é uma obra de arte!
Ana
Muita curiosidade pela continuação..... Bom, to entrando no ônibus agora..... e já to querendo sentar na janelinha e ainda falar com o motorista???/ Calma Lete.... Calma... Deixa eu me achar....
ResponderExcluirAdorei.
Ô Uxa, obrigada pela consideração!
ResponderExcluirEstou adorando seu blog, lendo devagarinho, apreciando "com cuidado e consideração"!
Parabéns, você transmite muita emoção nos seus textos.
Um grande beijo!
A vcs que comentam, muito obrigada, sei que dá trabalho, nem sempre estamos afim de escrever, mas pra mim, é a maior delícia!
ResponderExcluirmuchas gracias!!
Bjs
Uxa
Uxa,
ResponderExcluirComo você disse, nem sempre temos tempo para ler quando queremos, nem mesmo para deixar umas palavras para a autora/amiga. Hoje deu para abrir seu blog pela segunda vez. Valeu. Já cheguei no Temporal. Uma delícia esse Temporal, já me parece parte de um roteiro para filme brasileiro. Adorei! Continue que vamos curtindo.
Bj
Vi
Vi, que coisa mais emocionante te encontrar assim no blog cheia de recados e incentivos. Te agradeço de coração e torço pra continuar escrevendo coisas que vcs gostem de ler. às vezes falha, né! beijos e saudades, amiga querida. Uxa
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