Dentro do apartamento, metade dele, metade dela, o sol já não entra, nem a chuva. Há apenas um ranço úmido morando ali; empapa os objetos, os deixa sombrios. Vivem na bruma e já não discutem mais. Suas palavras não pertencem à mesma língua. Ela arruma meia-dúzia de roupas na mala, deixa um bilhete, apaga as luzes, fecha a porta atrás de si. Tempo, sal e mar para lavar as feridas.
...
É fim de tarde e ele está só. Como sempre. Vai andar na praia, olhar as marcas de seus passos na areia. Engraçado como aquilo o assegura de que percorreu um caminho. Para vê-lo, tem de virar o corpo todo, evita a dor aguda no pescoço enrijecido. As pernas manquitolam. O boné, comprado há anos, na África, esconde a nuca e dá à testa um para-sol. A pele branca e fina começa a enrugar como pétala de papoula. Um homem seco em dias vagarosos. Como de hábito, entra no mar próximo às encostas que se erguem do chão. A água ali é mais tépida.
A mulher nada em braçadas lentas, vai e vem, faz do mar sua piscina. Ele pára; seus olhos seguem a nadadora como quem segue uma partida de tênis projetada em câmara lenta. O tempo, que já é lento, estanca. Uma gaivota faz um vôo baixo e a mulher sai do mar. Deita-se ao sol, a cabeça sob o guarda-sol vermelho. Ele, então, mergulha e põe-se a desenferrujar as juntas.
Dançam vários dias esta dança muda. Sexta-feira, quando sai do mar, como faísca o olhar da mulher enfia-se dentro dele. Seu corpo está vibrando quando se senta ao lado dela. Conversam até o amanhecer.
O homem assiste o amor germinar no solo de seu peito como a terra seca permite brotar a hortelã. Vai tomando conta, abrindo espaços, empurrando os pedregulhos, encompridando os fios de suas raízes para o fundo, para dentro.
Nela, o desejo frustrado vê-se num corpo agora habitado pelo calor forte do sol gritando a chegada do novo verão.
O beijo chega, sem aviso, numa onda que surge imensa dentro do mar calmo. Logo a atravessam saboreando o sal. A paz os inunda, lubrifica o cinismo que rói seus ossos. Brindam ao sol no fim da tarde. Debaixo dos guarda-sóis, constroem, de novo, os mesmos castelos de areia de sua infância.
Uxa, embora eu tenha o privilégio de ouvir seus textos, alguns antes de serem postados no blog, me emocionei mais uma vez, como se fosse a primeira vez. Lindo. Obrigada,
ResponderExcluirBeijos,
Maice
Cara Uxa,
ResponderExcluirBoa noite!
Como é linda, quanto é jovem a aquarela da Regina Gulla.
E o seu conto que “ a ilustra “ tem enredo, tem história.
Tem gente.
Esse vício que amarga, tão bonito é.
Curador. Cuidador.
Obrigada pelo seu De Novo.
Obrigada, sem dúvida, pela aquarela da Regina.
Luminosa!
Uxa eu nunca consigo encontrar onde postar os comentários. Não aparece quando acesso o blog, será pura ignorância da minha parte?
ResponderExcluirMas, queria dizer que cada vez gosto mais da sua escrita.
Um beijo grande,
Thereza
Querida Uxa
ResponderExcluirobrigada por compartilhar essas belesuras comigo
Feliz Natal!
bjs
Madú
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ResponderExcluirUxa, que texto mais delicado, menina! Fui entrando no ambiente das palavras, me movimentando junto, sabe? Aguando, desaguando...
ResponderExcluirE ver esses guarda-sóis junto a esse primoroso texto, me dá uma alegria, que você não imagina.
Beijo, querida
da Regina Gulla
Achei! Achei a caixinha, achei uma amiga, achei as palavras, tão bem colocadas que transmitem a sensação do que descrevem.
ResponderExcluirUm beijo e obrigada. Boas festas, bom findeano.
Thereza
Viu!!! Valeu. Use e abuse com franqueza! bjão
ResponderExcluirUcha, AMEI...lindo demais...bjs Paola
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