foto de Remo A. Pierri
O bichano sempre existiu, como é que foi morrer? O que é esta coisa de morrer? Ele está muito encafifado. De repente acabar, sumir, como pode? E pega a pá no meio das ferramentas do pai e vai andando pelo jardim em busca de um repouso digno do seu amigo tão velho. Conhece o gato desde que nasceu. E vai andando, nem sente o cheiro de terra molhada da chuva da manhã, do perfume do jasmim que a mãe plantou. E onde será que vai botar este querido para descansar para sempre estes pelos, estes ossinhos? Olha para todos os lados, escolhendo, avaliando. Ali! Debaixo do flamboyant, será que a mãe vai ficar brava, azar dela, é o melhor lugar, o mais bonito, o Tigrinho merece. Finca a pá na terra, empurra com força, tira a primeira camada e repete a operação e repete mais de uma vez até que cava um cova bem funda, sete pés, o pai falou que deve ser de sete pés, pra gato deve ser menos, vou deixar por três, o calor está forte, encosta no tronco da árvore, descansa e pensa de novo nesta coisa de acabar. Vai buscar o gato enroladinho numa toalha. A mãe deixou. Vem devagar fazendo uma oração, é uma família de pessoas que têm fé, oração para gatos deve ser dirigida aos anjos do jardim, meu santo anjo do jardim, cuida do Tigrinho, ele é meu amigo, leva ele pra algum lugar bem bom pra gatos. Com todo cuidado do mundo, como um pai colocando no berço um filho querido, o menino acomoda o bicho no solo fundo. Na vala. Cobre de terra o bichano, que difícil é agüentar esta parte, como é que as coisas se acabam, ontem ele estava aqui miando, se enroscando na minha perna, hoje, nada, este feixe de pelos embrulhado numa toalha. É a brevidade da vida. Amassa a terra com força, as lágrimas regam o solo. Ele sobe no flamboyant e chora.
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Uxa, o menino, o tigrinho, a toalha, o flamboyant, tudo isso, como diria Drummond, deixa a gente emocionado que é o diabo.
ResponderExcluirTão bonito! Beijo,
Maice
Também me emocionei!
ResponderExcluir... Talvez ela, a imaginação, seja um território de encontro: uma intersecção qualquer no espaço-tempo, entre um sujeito que toma da caneta, do papel em branco, contando não mais que com suas poucas pretensões, seu repertório esquecido, sua mínima confiança em seu ser que mais ignora do que sabe... e as palavras.
ResponderExcluirQue texto lindo seu, esse de hoje. Palavras que nos constróem experiências. Obrigada, Uxa.
Um beijo e até domingo.
Regina
Conta o grande poeta-pensador Paul Valéry que, certa feita o pintor Degas comentou com o amigo Mallarmé que possuía boas idéias, mas que as mesmas acabavam por não resultar poemas. Mallarmé, certeiro, disparou que poemas não se faziam com idéias, mas com palavras!
Obrigada, Uxa e Parabéns!
ResponderExcluirBjs
Madu
Uxa, a historia do Tigrinho é demais. Em si e na metáfora da vida. É bom ler como você escreve entrelaçando se entre a primeira pessoa dele e sua terceira pessoa como narradora. Cada palavra como escolhida mas penso que lhe brota como brotam os galhos e folhas do Flamboyant que vem lhe oferecendo tantos momentos de sombra.
ResponderExcluirConto terno e diz muito da vida.
Beijo
Lé
Grande prima, por incrível que possa parecer, tinha um gato como esse quando moleque e morava em Londrina no Paraná...ele também se chamava Tigre...e além disso, árvores como o Flamboyant...e os ipês...roxo, amarelo, branco e agora o rosa em sequencia de florada...me trazem profundo respeito pela vida, são árvores que falam com a gente, quando nos dispomos a ficar debaixo delas e ouvi-las...respiram...arfam...e nos transferem energia e abraçá-las, revigoram a alma....
ResponderExcluirBjus e um lindo final de semana....
Geto
Cara Uxa,
ResponderExcluirO Tigrinho me emocionou e muito.
Obrigada por ele.
Gosto particularmente dos gatos.
Em 18 de abril deste ano perdi meu gatinho Jardim.
Ele não chegou a ficar doente. Foi morrendo de mansinho. A velhice venceu a vivacidade dele e a vida nele.
Ele morreu no meu colo. Na madrugada. Só no final do dia seguinte consegui me decidir a enterrá-lo.
À falta de terreno levei-o para o Jardim do Amigo, na sepultura coletiva.
Muito triste. Morro de saudades dele.
Hoje tenho a Luz, gatinha 04 anos mais nova que ele. Ela se fechou, ficou mais quieta,,preguiçosa depois que ele partiu.
Grande abraço, até mais,
Cibele
Cara Uxa,
ResponderExcluirEu de novo!
Perdi o e-mail no qual você me pergunta o que eu quero dizer com escrita em compasso gregoriano.
A minha intenção foi lembrar que o seu texto tem um toque religioso. Assim, como o canto gregoriano cuja natureza sonora se destinava a estimular, acrescentar fé e esperança às almas.
Mais ou menos isso.
Nos seus textos reconheço a presença da esperança e da fé de que é possível um mundo melhor. Ou talvez não seja bem isso. Seja antes que os seus textos dão voz à mensagem de que é possivel ser melhor em qualquer que seja o mundo.
Grande abraço,
Cibele
era a 7a vida dele?
ResponderExcluirlindo.
bjs
ti