Luzinete Santos de Jesus, a Nete, trabalha conosco há quase 10 anos. Temos por ela grande estima e a maior admiração. Ela me deu de presente a história que lhes conto a seguir, em 4 capítulos.
Capítulo 1 – A viagem –
-Vambora, Marinalva, bota as crianças no panhacum, senão ninguém chega hoje!
A mulher chama os filhos, Nete nem espera a mãe chamar, corre para o lombo da mula assim que escuta a voz do pai. Ela sempre vai no mesmo panhacum que a Cris. Catam uma caixa onde se espicham para alcançar o cesto de vime amarrado na anca da mula. No outro panhacum, vão as gêmeas, as menorzinhas da família, o pai as coloca lá dentro já olhando em outra direção, dando ordem para os meninos pegarem as trouxas que a mãe deixou no degrau da escada. Agarram as trouxas e se enterram nos pachacuns de outra mula e ainda há mais uma mula para o resto das meninas. Marinalva e seu Gilberto seguem a pé ao lado dos nove filhos. Em alguma parte do caminho, Marinalva vai montar na mula menos carregada para aliviar a dor nos pés e nas costas. O sol fraquinho vai apontando no horizonte, o dia ainda está fresco. Seu Gilberto tem em mente uma puxada maior na primeira parte da manhã; depois das 10horas o sol quente lerdeia os animais.
Dentro dos panhacuns as crianças sacodem em estado de sonho. O dia mais esperado do ano: o dia de ver vó Maria, a sextafeira santa. Vó Maria cada ano está numa fazenda diferente. Vô Bertoso gosta de variar, termina o serviço num sítio muda para outro. Eles sempre têm casa grande com fogão de lenha e o avô vai esperar os netos na casa da sede da fazenda. Nete e Cris gostam de se abaixar dentro dos panhacuns para ver a estrada pelas frestas do vime, fica tudo quadradinho, as sombras vão balançando no andar da mula, elas vão cantando, puxando o coro. Das outras mulas, os irmãos respondem a cantoria; quem não canta vai fazendo zumzum e dando risada. Ficam imaginando como será desta vez e já vão disputando o colo da avó na hora de ouvir história. Nete começa a lembrar o dia que a avó contou quando era moça, daquele pretendente que o pai dela levou para ela conhecer:
-Lembra que ela falou que foi arrumar a cama dele e cheirava a mijo?! A criançada pulava nos cestos dando gargalhada, namorado mijão, namorado mijão!! E o vô que fugiu da cadeia e ninguém viu? É! E ele caminha no escuro sem sapato, eu vou andar descalço igual ele e vou sair na noite e vocês vão ver que eu vou achar o caminho seguindo a lua que nem ele falou!
-Vai nada, Zeca, vai ficar quietinho em casa como todo mundo, não tem nada que sair de noite na escuridão. O vô pode porque sabe das coisas, tá acostumado, você, não, só vai arranjar encrenca.
Nem responde, arquitetando um plano para escapar da mãe. Zeca era um gordinho levado da breca.
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