Já eram seis da tarde do dia da missa de sétimo dia, quando enfim Marta achou tempo para entrar no consultório do pai. Há anos não fazia isto. Girou a chave na fechadura, abriu a porta, procurou o interruptor. Assim que o acionou, uma das luzes iluminou um porta-retratos num canto da estante. Nunca reparara, a luz caía exatamente sobre a foto que ela dera ao pai no dia da formatura. Encheu o peito num suspiro. Estava absolutamente só agora.
Os olhos percorreram a estante devagar tateando objetos conhecidos, a foto do casamento, o cristal, manuais de medicina, o busto de Louis Pasteur, placas de prata. Havia ainda uma caixa de madeira marchetada que ela não conhecia. Alcançou-a e surpreendeu-se com o peso. Abriu. Vazia.
Virou-a de lado, de cabeça para baixo, tornou a virar algumas vezes até que tocou um ganchinho e o fundo da caixa se abriu despejando ao chão um volumoso maço de cartões. Marta agachou-se para apanhá-los, movimentos atrapalhados. Juntava alguns para soltar outros, a operação levou um tempo interminável. Finalmente sentou-se à escrivaninha para lê-los.
Firenze, Paris, Berlim, Berlim, Natal, Natal, Natal, Natal, um após outro, sempre o mesmo final: Sua filha, Irina.
Um aperto no peito, um gosto estranho na boca, um sentimento totalmente inexplorado tomou conta de seu corpo.
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