Tinha umas poucas horas livres, foi porque lhe chamaram de urgência. Iam viajar, precisavam que passasse umas roupas. Chegou lá era só água, o patrão chorava de soluçar. Que que é isto, o que aconteceu? Aproximou-se tímida. Ele desabou, ela teve de ouvir, não teve alternativa. Dali a pouco, chegou a mulher, mordendo os lábios, entrou na conversa, respondeu ao marido, explicou o que sentia, o seu lado da história. Matilde a ouviu também. Teve de dizer, nem sabe como. Escapou: Ó, eu estou aqui só escutando mas o que importa é vocês se ouvirem.
Assim que deram uma brecha desapareceu para passar a roupa. Aproveitou para fazer uma comidinha para os dois. Teve pena. Enquanto descascava batatas e picava cebolas, olhou pela janela.
O dia escurecia. Os raios rasgavam o céu, um ou outro trovão bombava. “Será que o temporal já passou, ou está só começando? Na mente a imagem do caos que fora sua vida. Três maridos, uma pá de desencantos. Agora vivia bem, mas no começo, nossa, muitas vezes teve de fazer faxinas radicais. Doídas cicatrizes. Não pode evitar separação, cada um para um lado, culpando o outro. Amarrados. Mas esses moços são inteligentes.
Se ela tinha aprendido com o Adeílson que o segredo era fazer limpezas regulares assim que percebiam entulho se formando, eles podem aprender também.
Se ela tinha aprendido com o Adeílson que o segredo era fazer limpezas regulares assim que percebiam entulho se formando, eles podem aprender também.
Misturou os cogumelos com as vagens e salpicou tudo na manteiga e no azeite. Eles! A gente pode ensinar, mas aprender é com cada um.
Foi em busca de soyo e achou na geladeira uma quantidade industrial de embalagens. Abriu uma, direto na panela. Era kechup. Abriu outra. Era mostarda, meus deus, não estou enxergando nada, preciso trocar de óculos, como será que vai ficar o gosto disso? Só queria um pouco de soyo!
Uma mulher não quer ter ao lado alguém menor que ela; a gente quer alguém que ande ombro a ombro com a gente, que assuma o que pode e o que não pode. Botou a frigideira para esquentar. Levei três maridos até achar um que pensasse como eu. O Valderez, deus me livre, que traste, ainda bem que se encantou com a Delfininha e me largou; azar o dela. O Wilson gostava de mandar mas era um frouxo. Fui uma idiota de me meter com ele. Agora, o Adeílson, este sim, sabe como conquistar uma mulher, sabe dividir, sabe somar. Mas vai ver que é isto também que o seu Nelson quer, foi isso que me falou - continuou a refletir ao empanar o peixe na farinha de trigo – ele disse: eu não sou nem mais nem melhor do que ela. Tenho meus defeitos, tenho minhas fraquezas. Mas ela também, ué! O peixe foi colocado com cuidado na frigideira quente, o fogão é péssimo.
É que eles não têm filhos. Com filho a gente é obrigada a aprender muita coisa. Lembrou dos mutilados que viu na TV. O cara tocava violão e a moça trocava as fraldas do bebê. Tudo com os pés. Credo! Também já estou exagerando, fazendo drama! O dia estava agora tão escuro que foi preciso acender a luz. Os trovões, porém, tinham amainado. Os patrões conversavam em voz baixa sentados no sofá.
Da cozinha, Matilde lançou-lhes um olhar e sorriu. Lembrou da dona Ritinha, a patroa antiga: o amor precisa de cuidado, de consideração. Eita velhinha sabida. Foi com a força dela que se separou do Valderez. Tudo precisa de cuidado e consideração. Até ela. Tinha de voar dali. Pôs a mesa, fez os pratos; avisou a patroinha que a roupa estava passada e que deixara cortados os legumes para a sopa da noite. Já eram cinco da tarde. Foi embora.
Nelson e Regina ficaram em casa secando as águas do tornado, removendo o próprio entulho; talvez encontrem um bilhete de amor que se molhou.
imagens da internet
Que lindo, Uxa.
ResponderExcluirQue bom você nos brindar toda sexta feira com sua poesia.
Um deleite.
Malena
AMEI.......bjs Paola
ResponderExcluirQue sábia esta Matilde! Que orgulho contar com a sabedoria desta escritora!!!!
ResponderExcluirGostei demais do fecho da crônica. A imagem do bilhete t a ver com tudo, lindo.
ResponderExcluirBj
Regina
Oi Uxa,
ResponderExcluirobrigada
bjs
Madú
Ana , adorei...mandei para uma amiga virtual, uma poetisa goiana bjs Paola
ResponderExcluirCara Uxa,
ResponderExcluirBoa noite!
Muito bem comportado esse Temporal.
Faz jeito de vida certinha.
Assim me parece.
Não vibra. Vibra?
Bem escrito. Bem recortado.
Então? O que é que falta?
Sei não. Procuro.
Ninguém se repara?
Uhn! Pode ser
Nenhum dos três fala sobre o outro que lhe chega na frente.
O homem poderia pensar que a Passadeira tem cintura fina?
Ou qualquer outra coisa chegada ao gosto de olhá-la?
Grande abraço, obrigada pela sua escrita,
Cibele
Acho que um dos segredos da almejada sabedoria é a gente querer se ouvir, ou melhor, a gente se dar conta das cascas de banana nas quais escorregamos de modo recorrente e culpamos a casca...
ResponderExcluirBjks e ob por mandar
e eu que achei que a matilde ia ter problema para voltar para casa...
ResponderExcluirsuas aberturas estão cada vez mais bacanas. qdo a gente pensa que vai levar para um lado, vem você e leva a gente para outro.
bjs
tica