sexta-feira, 8 de julho de 2011

Um Causo

Conversavam à beira do fogo, esperando o sono.
- Como é mesmo sua graça?
- Marcondes. Ambrósio Marcondes, um seu criado.
- E eu sou Justino do Sul. Muito honrado. Saúde! E depois do Rio, o senhor veio voltando pra Minas?
- Ah, sim. E é por isto que eu tenho de comemorar. Imagine o amigo que semana passada quando eu mais Zé Tomé estávamos lá pros lados de Campos, atravessando aquelas florestas de araucária, as mulas resolveram empacar. Não havia meios de elas saírem do lugar. Já eram umas 5 da tarde, ia escurecer loguinho e eu queria chegar com elas na fazenda do Zé Rodrigues que era ali perto, o senhor deve conhecer. As mulas se agitaram, fizeram um cerco, começaram a escoicear pra todo lado. E era um relincho só, uma barulheira dos diabos!
Eu saí com Zé Tomé atrás de onça. Quando mula fica assim é onça, na certa. E procura que procura e nada. Entramos mata adentro, procurando os rastros pelo chão. Foi aí que o Zé Tomé levantou os braços pro céu pedindo ajuda de Jesus Cristo. E lá estava ela, em cima da árvore. Uma baita pintada cercada de macaquinhos brancos. Já viu onça cercada de macaquinhos? Pois é, aquela estava. E os macaquinhos não tinham boa cara, não. Ferozes, briguentos. A onça, de olhos vermelhos, se preparou para dar o bote em Zé Tomé. Eu vinha mais atrás e via bem a cena. Empunhei minha carabina e mirei – POW!!! – atirei no peito da pintada que caiu ao pé da árvore. Os macaquinhos ficaram como loucos. Pularam em cima da onça, lambendo a bicha, gritando, fazendo um escarcéu. De repente, o silêncio. Olharam pra nós e foram se chegando devagar. Começamos a suar frio. Era uma penca de macaquinhos; eles pareciam estar dominados pelo DEMO, sei lá... Aquilo não era animal, parecia gente mesmo! Zé Tomé olhou pra mim, eu olhei pra Zé Tomé e, num instante, esporeamos nossas éguas e nos pusemos a correr de volta pras nossas mulas.
- Mas isto foi burrada, amigo, os macaquinhos não vieram tudo atrás?
- E se vieram, companheiro! Olha, aquilo não era coisa de Deus, não, era coisa do Demônio! As mulas querendo se soltar das cordas, as nossas éguas passarinhando e aquele mundaréu de macaquinhos pulando nas mulas, na gente, mordendo os arreios, as selas, machucando de chorar as pobres mulas.
- E como é que acabou a aflição?
- Ora, começamos a ouvir uns silvos agudos e nisto os macaquinhos se afastaram. Corriam uns sobre os outros se atropelando e entraram na mata outra vez. Nós ficamos encafifados...O que será que era aquilo? Acalmamos as mulas, levamos elas pra beira do rio, prendemos outra vez nas cordas e fomos dar uma busca por ali.
- E então?
- Procuramos um bocado de tempo e nesta altura já era noite mas estava clara de lua. Já íamos desistindo quando Zé Tomé descobriu um índio velho numa choupana cercado dos tais macaquinhos. Ficamos escondidos espreitando. O índio balançava um chocalho, dizia um palavrório e passava o chocalho nas costas dos macaquinhos que iam se acalmando. O cheiro era forte. Em seguida eles se reuniram atrás da choupana. Lá estava a onça ferida de morte mas ainda respirando. O índio limpou as feridas e colocou umas plantas umidecidas em cima dela. Continuou a falar as palavras estranhas e assim ficaram. Resolvemos voltar pras nossas mulas. A noite já ia alta.
Quando amanheceu juntamos a mularada e seguimos viagem. Já tínhamos caminhado um bom pedaço quando escutamos outra vez aqueles silvos fininhos. Olhamos para trás e vimos o índio velho ao lado da onça seguido de uma fileira de macaquinhos brancos. Paramos, apeamos e esperamos a comitiva.



O índio se aproximou, começou a dizer uma lenga-lenga e fazer umas danças. Dali um pouco, começamos a sentir umas dores terríveis no peito. O sangue transpassava nossas roupas grossas e ia manchando o couro do cinturão. Perdemos o ar e os sentidos. Não sei quanto tempo passou. Só sei que quando acordamos, éramos só nós, nada de mulas. Nada de mula, perdemos todas...
- Mas que causo estranho, seu Marcondes. Nunca vi falar de nada parecido. Por que que o senhor tá querendo comemorar afinal?
- A Vida, seu Justino, a vida que me restou. Mula, a gente compra outras.

5 comentários:

  1. Êta contista das boa, gente! Você tá um causo sério, dona Uxa.
    Beijo da Regina Gulla

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  2. Cara Uxa,
    Boa noite!
    Acabo de ler Um Causo.
    Também Sobre o Magma de Guima.
    Uma escrita bonita. Muito bem construída.
    Você parece mateira.
    Descreve o ambiente. Reproduz o falar.
    Muito interessante, de verdade.
    Parabéns pelo seu fazer.
    Obrigada pela oportunidade de leitura.
    Grande abraço, até mais,
    Cibele

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  3. adorei, sua contadeira de causos!!!
    Continue nos brindando com sua escrita tão gostosa!
    Bjus

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  4. uxa querida,
    grande história este causo.
    thanks for the enjoyment.
    beijo
    seawiever

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  5. Bom dia Uxa,

    Gostei muito, parabéns.

    Bjs,

    Wilton

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