sexta-feira, 29 de junho de 2012

São Pedro, o pato e a lua


O sol já tinha sumido e, do galho alto da árvore, o pato vislumbrava a lua ensaiando para entrar em cena. Ele também queria festa. Embaixo do flamboyant enfeitado com bandeirinhas, a mesa de doces e a cadeira do sanfoneiro. Foi o homem chegar e esticar o fole da sanfona que o pato se pintou de prata e começou a dançar...


                                         O dançarino da lua - óleo de Manuela Baptista



Erik

Parou no Viveiro dos Pássaros e não deu palavra. Estava muito ocupado.
Na volta, sentou-se à mesa...

desenhos de Erik aos 9 anos

Passarinho cantou
De dentro de uma gaiola
Cantaria melhor 
Se fosse do lado de fora...

Hoje ele é moço e é músico.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Papeando com o carteiro




Outro dia, lá no parque, conheci o seu Marconi. Que figura, olha que prosa, o homem fala rimando, vou dividir com vocês...


O seu Antonio me espera sentadinho no degrau. Tão sozinho, pouco fala, me dá um sorriso amistoso, gosto dele, ele é legal! Depois vem dona Jobelina, aquela que varre o quintal. Arde sempre um comentário com a boca cheia de riso uns safados estes políticos, Lula e Maluf, que que é isto?Onde a gente vai parar? No fundo tem esperança que as coisas vão melhorar.
Para o 303, apenas uma revista, dona Rosa, uma viúva, é boa pra mim, é bacana. Para o 125 tem sempre um maço gordo de contas, que gente cheia da grana! O 67 tem carta de envelope perfumado, só pode ser pro roqueiro de cabelo arrepiado. O 25 tem conta sempre de banco estrangeiro, é o seu Breugurten, o careca, que fala muito engraçado. 
Vou entregando envelopes, caixinhas, coisas pequenas: Lembro o dia que eu passava na Rua do Lava-pés e dei ao seu Eduardo, o envelope vermelho. O homem abriu depressa e quase teve um chilique: tinha sido contemplado com o primeiro lugar no concurso literário para o qual nem quis entrar. A mulher que insistiu, me contou com alegria, agora ia viajar, podia rever a filha.
Gosto da gata do Nelson, no 486, que toma sol na floreira. Sempre faz uma firula, deve ser namoradeira. Bato papo com seu Ângelo, o que adora futebol. Toma conta da netinha pra filha ir trabalhar. O Corinthians ganhou ontem, mesmo só tendo empatado. Vai Colintias diz Laurinha, só dois anos, conquistada!
Os cachorros do 1005, aqueles de cara amassada, que estão sempre dormindo, abrem uns olhos ladinos quando me escutam chegar, botam a pata na cara, continuam a descansar. 
Os do 530 gostam de me lamber, eu deixo, claro que eu deixo, que mal isto há de fazer? O do 1647 é feio e mal-humorado, se chama Miséria, o coitado. Senta, Miséria! Entra, Miséria! Passa, Miséria!!
Mas triste foi o que veio da nora do seu José, um telegrama curtinho, duas únicas palavras, Anita morreu. O velho caiu num choro, eu tive de lhe ajudar, levar pra dentro, dar água, precisei lhe acalmar: era a irmã com quem ele há anos tinha brigado, nunca mais tinham falado, foi por causa de ciúme, ciumeira, coisa boba. Que estúpido! dizia ele, que besteira a gente faz, agora ela foi embora, nunca mais vou lhe abraçar! Seu Marconi, se eu pudesse, ah...

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Planos, planos





Ângela e Raul estão casados há mais de 50 anos. Apaixonados, ficam de mãos dadas, trocam olhares, falam coisas como estava aqui olhando a Ângela e me lembrei daquela frase que se dizia no meu tempo, ela é uma uva! Ah, ela é uma uva até hoje!
-Benzãozinho, que que você disse?... Deixa pra lá, vou fazer seu doce para o almoço. 

Casaram-se numa linda igreja e fizeram uma festa memorável. As fotos do álbum de casamento, volta e meia, aparecem nas rodas de conversa, quando contam histórias do passado. As histórias da Ângela são de fazer a pessoa se escangalhar de rir ou chorar de tanta emoção. 

Ela pega a máquina de calcular para digitar o número de telefone da farmácia; abre a janela e fala alô?!   Ah, Angelinela, Nenela, que cabeça! Ao lado disto, se põe bonita para a feira, para o trabalho ou para o teatro, tem a casa arrumada no detalhe, nas flores frescas, na toalha da mesa. Não deixa faltar uma palavra de afeto para o vizinho de rua, para o dono da venda. 
Ela é do tipo que despeja amor e riso como chuva de uma sempre primavera. 
Ele é do tipo sossegado, aventureiro, arredio à cidade grande; por profissão conhecedor do mato, da natureza, dos bichos, já se curou de 9 maleitas, nada o tira do sério. 

Amando-se como se amam por muitos anos viveram a se dizer até a volta, se cuida, nos vemos no Natal... Trabalharam muito duro os dois para construir a vida, criar os filhos.

Para as Bodas de Ouro, sonharam anos seguidos. O sonho era assim: A capela da PUC de São Paulo, toda enfeitada, ela estaria vestida em lilás, muito elegante, e entraria na nave pelos braços do neto Rafael, um rapaz muito lindo. No altar, estaria o marido ladeado pelos três filhos, noras e os outros netos que, com certeza, já teriam. A Ave Maria de Gounod soaria quando ela e Rafael - que jamais teria morrido naquele horrível desastre de automóvel - entrassem pelo tapete da nave principal, olhando os convidados, os amigos, os parentes, sorrindo para todos. Na cerimônia, o marido a presentearia com uma aliança de brilhantes e, ao final, haveria uma festa.

A vida nem sempre segue nossos planos.
Nosso é apenas o presente.

No dia das bodas foram à missa na capela do convento das franciscanas, no bairro de São Francisco, em São Sebastião, cidade do litoral. 


Presentes apenas o casal e os três filhos. Nem uma nora, nem um neto. Sentaram-se juntos, do lado esquerdo da igreja. Do lado direito, uma família de gente simples rezava pelo filho que morrera atropelado. O padre veio lhes perguntar o motivo da presença ali. Explicaram que eram bodas de ouro. Foram efusivamente felicitados. Fez o mesmo com a família ao lado e ofereceu-lhes seu conforto. A missa foi singela. Aqueceram-lhes as palavras do padre. Com um sentimento de união, caminharam para a saída igreja. Do nada, entra pela nave, um garotinho desconhecido. Sorriso de orelha a orelha, ele abraça a noiva. Inunda-a de ternura. Como teria feito o neto querido. Bençãos do céu.


fotos  em PB do Studio Perlaky - 1954 - restauradas pelo Remo
fotos de S.  Sebastião 2012 - Remo


sexta-feira, 8 de junho de 2012

O tédio virou remédio




Era uma noite molhada,
Choviam do céu fios de lã
Caíto e Bumba sentados
Repetem entediados
-Nossa, que noite! Que chato!

Querem achar na penumbra
Qualquer coisa pra fazer
Para esta noite profunda
Fazer cócegas
Acontecer

Bumba estica até a janela
Mia, muge, chama, grita
Caíto escuta o recado
Pula o sofá estrelado
Pára na sombra do gato

Lançam garras vidro afora
Vão pescar
Os fios de lã
Enrolam novelos chovidos
Riem até de manhã

fotos da internet

sexta-feira, 1 de junho de 2012

A primeira vez




Barba, óculos de aro escuro, pernas, axilas, braços peludos, o rapaz pede sexo. Dia após dia, semana após semana.

A sala da casa se abre para um espetáculo de dança. Os ouvidos da platéia se enchem de música, os corpos balançam imperceptivelmente enquanto aguardam as bailarinas. O som de tambores e cítaras anuncia odaliscas. A morena, a loura, a oriental, a negra. Balançam ancas, rodopiam em sorrisos enquanto o ar se impregna de perfume na fumaça de incenso. Devagar se despem dos sete véus e suas mãos constroem, com panos de sete cores, sucessivos arco-íris que tomam os ares e deixam o moço sem ar. A boca do rapaz se abre; dos olhos claros chamas de fogo se lançam, o membro entesa. As mãos suam, o corpo treme. No aconchego do sofá, um espasmo; a cabeça gira brusca para um lado e encontra o espaldar macio.




Deitado num solo de areia dura e amarela tem à frente dos olhos os segredos da moça oriental. Estende a mão, toca-a, os dedos roçam os pelos púbicos, desajeitados, procuram a entrada. Sente o cheiro da mulher, quer entrar; ela se vira, é um gato, fica cara a cara com ele. Tira-lhe os óculos e acaricia-lhe o rosto em muitos beijos suaves; dirige-lhe a mão para a abertura da caverna e deixa que os dedos a penetrem. Busca–lhe o membro e, terna, o beija. Úmida, senta-se sobre ele e ondula ao rítmo do tambor longínquo. Foi assim, no sonho, que aconteceu.