Enquanto Antenor se recuperava da operação, o tempo foi passando, os netos crescendo por ali mesmo. Ninguém, a não ser ele, poderia levar avante a ideia de pedir a casinha de aluguel que tinha na cidade, pra botar as filhas. E ele não teve energia. Dona Ester e seu Leandro fingiam que não viam e procuravam se aborrecer o menos possível com a choradeira das crianças. Mas se aborreciam. E iam ficando com raiva também.
Nasceu o segundo filho da Lidinha, outro menino. O mais velho já começava a andar e era agarrado no avô. Onde ia o Antenor, o menino queria ir e, muitas vezes, ia mesmo, escapando dos olhares dos adultos. Naquele dia, encontraram-no na cerca, quase fora do sítio, um menininho que nem dois anos tinha! Que peste! – reclamaram as mulheres. - Que moleque! - exclamou o avô, com orgulho.
Antenor, de repente, começou a se lembrar de quando chegara ao sítio para trabalhar. Vinha do Paraná, moço ainda, já casado e pai de meninas pequenas. Viu as duas correndo debaixo das mangueiras como via agora o neto. Narizes sujos, pés descalços, adoravam dar risada. Como a mãe. Chegaram cheios de esperança. Foi o dono do empório que lhes falou sobre Dona Ester, uma mulher moça da cidade que estava levando o sítio, praticamente sozinha. Precisava demais de um caseiro, de uma família que morasse lá, que entendesse de lavoura, de horta, de galinhas, que fosse gente honesta e trabalhadora. Pois eles eram tudo isto. Ele conhecia os segredos da lavoura, a mulher era trabalhadeira e eles precisavam de um lugar para morar e criar as filhas. Na primeira conversa com dona Ester percebeu logo que era uma mulher decidida e de bom coração, tiveram uma simpatia simultânea os três. As meninas se enroscavam nas pernas da mãe e não respondiam às brincadeiras de dona Ester, nem olhavam para ela. Engraçado – pensou Antenor – desde o começo não deu liga. Ele se lembrava bem que, no início, Rosa fazia tudo para que as meninas fossem simpáticas com a patroa mas elas nunca quiseram mais do que o contato indispensável. Dona Ester também não insistiu; contanto que não atrapalhassem o trabalho dos pais, estava tudo bem.
Rosa abraçava com força o menino que podia ter sumido cerca afora, escondia o sorriso com a cara enterrada na cabeça dele, mas os olhos choravam e queria não pensar sobre os problemas que estavam todos exatamente no mesmo lugar. As filhas continuavam sem trabalho, sem casa, vivendo às custas deles; agora eram três crianças mais as mães: cinco bocas para comer, vestir, educar, dar remédio, tudo. Raiva.
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Pois não é que um dia, o segundo filho não tinha nem seis meses e Lidinha engravida pela terceira vez? Rosa percebeu, quis não acreditar, nem falou com Antenor, escondeu o pensamento até de si mesma. Porém, deu de ver fantasma, de escutar vozes, discutia com o invisível. Notaram que ela andava meio esquisita, mas também, com tanto problema, é natural – pensavam todos.
Uma tarde, perto das quatro horas, pegou uma faca, entrou na casa de Dona Ester e a ameaçou. Falava como se fosse outra pessoa, era difícil de entender, a fala enrolada, a voz muito grossa. Mas a faca em sua mão apontava a patroa.
Dona Ester, o coração aos pulos, as mãos molhadas, com um controle vindo de não se sabe onde, conseguiu mostrar-se calma, conversou com Rosa, chamou-a a si. Seu Leandro, que escutara um zumzumzum lá da varanda, entrou por detrás de Rosa, chamou-a pelo nome e pediu um suco, voz mais serena, impossível. Daqueles seus, hein, Rosa, um bem gostoso que o calor está demais. Ela disse sim senhor e entregou-lhe a faca. Ficaram D. Ester e seu Leandro a se olharem boquiabertos. Abanavam-se. Tinham de tomar alguma providência. Precisavam pensar.
continua na próxima semana