sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A mesa

Chego toda prosa, ampla, majestosa. Não caibo no elevador. Alçam-me pela varanda, me empurram pela janela. Por fim, colocam-me no centro da sala, lugar de honra, eu praticamente comandando a situação.

-Acomoda a todos - diz a mulher com sua voz fininha. – Como esperei por isto! A família inteira, pela primeira vez, poderá se sentar, saborear o jantar, conversar. Mesmo que sejam dez, ainda dará.

Vi quando sorriu, esfregou as mãos e me acariciou com ternura, como se eu fosse um filho, um neto, uma nora.

Eu?
Aguardava apenas. Assim fazemos nós, as mobílias.

No desenrolar dos dias, quenturas queimam sobre mim, descoram-me. Minha madeira verde ressente o calor das travessas fumegantes, a cada dia me aparecem manchas. Tive um tipo de rubéola ou escarlatina, herpes talvez, eram brancas.

Discutem, conjeturam, consultam e, por fim, chamam um Zé para me lixar, selar, encerar.

Longas tardes. Zé labuta cuidadoso, jeitoso, zeloso.
Ao final, me aponta. Orgulhoso.

Não é que o homem me olha de alto abaixo, acende a luz, apaga a luz, aperta os lábios, enruga os olhos, passa as mãos na cabeça, passa as mãos sobre mim, sente a maciez da minha pele e espeta:
 - Parece uma velha que fez plástica, está horrível!
- Como horrível? – minha mudez reclama, indignada - Fiquei muito mais charmosa! Sinto-me linda, morena, lustrosa. A mulher concorda comigo, vaidosa.

Discutem, conjeturam, consultam e, por fim, concluem: o que está feito não pode ser desfeito.

Pois aqui estamos há semanas.
Ainda não veio ninguém.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O mundo - Eduardo Galeano

"Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colombia, conseguiu subir aos céus.
Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
-O mundo é isso - revelou. - Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.
Cada pessoa brilha com sua luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes, e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chega perto, pega fogo."

Hoje, escrevo à partida de um fogo: meu irmão. 
Era fogueira chispante, altaneira, orgulhosa. Foi minguando, minguando em tristeza e se apagou. 
Vou deixar uma vela acesa no caso de ele querer se acender de novo, se aquecer, lá onde estiver.