Chego toda prosa, ampla, majestosa. Não caibo no elevador. Alçam-me pela varanda, me empurram pela janela. Por fim, colocam-me no centro da sala, lugar de honra, eu praticamente comandando a situação.
-Acomoda a todos - diz a mulher com sua voz fininha. – Como esperei por isto! A família inteira, pela primeira vez, poderá se sentar, saborear o jantar, conversar. Mesmo que sejam dez, ainda dará.
Vi quando sorriu, esfregou as mãos e me acariciou com ternura, como se eu fosse um filho, um neto, uma nora.
Eu?
Aguardava apenas. Assim fazemos nós, as mobílias.
No desenrolar dos dias, quenturas queimam sobre mim, descoram-me. Minha madeira verde ressente o calor das travessas fumegantes, a cada dia me aparecem manchas. Tive um tipo de rubéola ou escarlatina, herpes talvez, eram brancas.
Discutem, conjeturam, consultam e, por fim, chamam um Zé para me lixar, selar, encerar.
Longas tardes. Zé labuta cuidadoso, jeitoso, zeloso.
Ao final, me aponta. Orgulhoso.
Não é que o homem me olha de alto abaixo, acende a luz, apaga a luz, aperta os lábios, enruga os olhos, passa as mãos na cabeça, passa as mãos sobre mim, sente a maciez da minha pele e espeta:
- Parece uma velha que fez plástica, está horrível!
- Como horrível? – minha mudez reclama, indignada - Fiquei muito mais charmosa! Sinto-me linda, morena, lustrosa. A mulher concorda comigo, vaidosa.
Discutem, conjeturam, consultam e, por fim, concluem: o que está feito não pode ser desfeito.
Pois aqui estamos há semanas.
Ainda não veio ninguém.